Cinema de Poesia


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Em janeiro de 2005, durante uma individual em que eu realizava aqui mesmo em Tiradentes, resolvi largar tudo e fui "ver o mar". Estando completamente esgotado de todo o stress acumulado para a realização de mais uma exposição e deixando tudo aos cuidados da minha parceira de galeria, saí rumo a Saquarema, onde era aguardado por uma amiga. 
Ao chegar à praça da estação da minha cidade, de manhã cedo, só pude avistar uma única pessoa com ares de viajante. Ele, como eu, certamente esperava o ônibus para o Rio, vindo de São João del Rei, que parava ali para embarque de passageiros. O que me impressionou de fato era que a imagem daquele "moço" ali de mochila, de roupas coloridas, cabelo grande, castanho, cacheado, barba meio ruiva, lembrava muito a mim mesmo, lá pelos meus 20 e poucos anos. Senti uma empatia enorme de cara, claro. Afinal parecia que estava diante da minha própria juventude ali, revista e atualizada. Perguntei a ele apenas o óbvio: se  esperava o ônibus do Rio. Ele disse que sim. O silêncio não durou mais que alguns segundos, pois ele se virou de forma totalmente inesperada pra mim e se apresentou, formalmente: "Prazer. André Scucatto!" Eu que não esperava esse comportamento de uma pessoa tão jovem lhe estendi a mão direita e me apresentei: "Prazer. Fernando Campos!"... Quando o ônibus chegou, não precisamos falar nada. Estava mais do que claro que sentaríamos juntos para continuarmos a conversa.
          O que não sabíamos era o quanto aquela viagem mudaria nossas vidas.  André estava em Tiradentes para apresentar alguns dos seus trabalhos na Mostra de Cinema. Disse que morava no Rio e fazia, juntamente com sua mulher, curta metragens pela sua produtora chamada "Cinema de Poesia". Quando soube por mim que era pintor, começou a falar de sua paixão não apenas pela pintura, mas por todas as formas de expressão artística, e como gostava de intercambiá-las em seu trabalho. Eu disse que comigo se dava senão o mesmo, mas um processo muito semelhante. Não saberia dizer em que momento da viagem me contou de um projeto especial que ele e sua parceira de todos os trabalhos, Cristina Pinheiro, tinham em comum: um filme que falasse da vida de Van Gogh e de Antonim Artaud. Fiquei "estupefato" com mais essa coincidência. Havia acabado de ler um livro de Artaud em que  falava de sua paixão e identificação com a obra do pintor holandês. Descobrimos assim, eu e André, que tínhamos o mesmo pintor preferido. Contei a ele a influência que a vida e a obra de Van Gogh sempre tiveram em meu trabalho. Em muitos momentos me emocionei diante das nossas conversas, relembrando os detalhes da vida trágica desse artista que tanta injustiça sofreu em sua trajetória.
          No final da viagem parecíamos amigos de infância; mas a despedida foi ainda mais surpreendente: ele me convidou apara fazer o papel de Van Gogh em seu filme. Eu, completamente encantado e envaidecido, porém sem perder a noção de realidade, disse que, apesar de lisonjeado, não poderia aceitar pelo simples fato de que não era (não sou?) ator. Pois ele retrucou de imediato dizendo que ele e a Cristina - sua mulher e parceira na direção - costumavam convidar "não-atores" também para as suas produções.  Ainda insisti na negativa dizendo que nunca havia sequer conseguido decorar texto algum. Ele continuou dizendo que seria um filme mudo. Enfim, aceitei apenas que nos reencontrássemos novamente, depois da temporada de descanso em Saquarema, quando passava pelo Rio no caminho de volta à Minas.
            O encontro com a diretora, sua mulher, foi totalmente diferente. Ao lado dele, ela me recebeu em sua casa com muita reserva, poucas palavras e muita, mas muita observação. Sentia-me desnudado pelo seu olhar que parecia vasculhar cada canto escondido do meu ser, enquanto minha conversa com André continuava como se nunca tivesse fim. De repente ela olhou pra ele e disse firme: "É ele André! Ele é o nosso Van Gogh!".  Repeti então os mesmos argumentos anteriores para rejeitar tal proposta, somados a mais alguns novos, que qualquer pessoa sensata diria numa situação como aquela. Mas era tarde demais: eu já havia me tornado o Van Gogh deles.
          Depois daquele primeiro encontro nasceu uma grande amizade e várias parcerias. Aqui estão postadas duas delas. Encarnei o pintor em inúmeras cenas rodadas em Tiradentes e no Rio, naquele mesmo ano e no seguinte, se não me falha a memória. O projeto desse filme foi atropelado por vários outros projetos da dupla e, infelizmente, ainda não foi finalizado. Atualmente ele hiberna quieto na encubadeira do tempo, lá no ninho do Cinema de Poesia, de onde despertará um dia para lutar pelo que é seu.


http://www.cinemadepoesia.art.br/

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