Estranha Forma de Vida

 Em meados dos anos 90 estava completamente apaixonado pela obra do escritor português José Saramago. Lia tudo que ele publicava, e também muito do que publicavam a respeito dele. Decidi então desenvolver uma série de pinturas, baseada em sua obra, que se chamava "Segundo Saramago". Eram quadros de cores vivas, porém leves como o próprio suporte nos quais eram realizados, no caso, "panneaus". No meio desse processo fui surpreendido pela notícia da internação da minha mãe. Eu morava então em São João del Rei, e ela estava internada em Muriaé (duas cidades mineiras, porém distantes). Parei tudo e fui pra lá. Juntamente com meus familiares, nos revesamos no hospital para acompanhá-la durante o período de internação. Acabei passando muitas noites no hospital. Nunca havia passado por uma situação dessas e nunca mais fui o mesmo, principalmente no que se refere à qualidade do meu sono e minha forma de trabalho. Minha mãe se recuperou o suficiente para ser levada de volta à casa; eu todavia, quando retornei à minha vida, nunca mais consegui dar continuidade àquelas pinturas, embora tivesse tentado retomá-las do ponto em que parei. A leveza do gesto parecia ter ficado lá naquele quarto de hospital. Aquela série ficou ali, em suspensão. Consegui aos poucos voltar à pintura, mas com outra temática, outra série. Aqueles quadros nunca foram apresentados numa exposição.

          Ano passado com a notícia do falecimento de Saramago, o autor voltou a ser tema de todos os noticiários. Situação semelhante só havia ocorrido anteriormente quando ganhou o Nobel. Continuei gostando muito de sua obra, mas, com o passar do tempo, descobri muitos outros autores pelos quais me encantei. A notícia de sua morte, porém, chegou a mim num momento em que me encontrava muito interessado em descobrir Portugal. Andava lendo a respeito do país e de suas transformações ao longo das últimas décadas. Na verdade costumo dizer que Portugal começou a chegar pra mim, e me descobri muito receptivo com essa novidade. Confesso que não havia me interessado antes, assim como tantos outros milhares de brasileiros que como eu, apesar de serem descendentes de portugueses, nunca haviam voltado os olhos com atenção para nossas raízes principais. Senti uma vontade enorme de reler o livro que há tantos anos havia me tocado tão especialmente: "Memorial do Convento". E para minha grata surpresa a sua leitura me tocou tanto ou mais que antes. Retomei o projeto lá do armário afetivo, onde ficam guardados aqueles sonhos que não realizamos. Tive o cuidado de não cometer o mesmo erro, de tentar o impossível: recomeçar onde havia parado. Retomei o sonho, o tema, mas com uma roupagem completamente distinta da antiga. O assunto é o mesmo, mas o olhar, obviamente, é outro, bem como o tratamento das figuras, as cores, o suporte e tudo mais. A série que desenvolvo hoje se chama "Estranha Forma de Vida", nome dado a um fado clássico que ficou eternizado na voz de Amália Rodrigues. Pretendo, na verdade, levar essas novas telas até as terras lusitanas. Quem sabe visitando esse país dos meus antepassados eu não descubro o "meu Portugal"?...

A seguir apresento alguns dos estudos de quadros dessa nova série. Os originais serão disponibilizados posteriormente.  





3 comentários:

  1. Nossa meu primo, voce cada vez está se superando mais.... quero ver a cor dar vida as suas idéias...
    Marisa

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  2. Fernando, eles são lindos!

    É engraçado, porque as cores que você usa nos seus trabalhos sempre me chamaram muito a atenção - adoro! E de repente vejo trabalhos em preto e branco... e eles são igualmente lindos, e com uma força diferente.

    Ótimos porjetos esses de 2011. :)

    Beijos!

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